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LIMBO JURÍDICO DEIXA ENTREGADORES DE APLICATIVOS SEM DIREITOS TRABALHISTAS E PREVIDENCIÁRIOS

A “uberização” do trabalho criou uma série de novas modalidades de trabalhadores que vivem atualmente no chamado limbo jurídico. Entregadores e motoristas de aplicativos são os principais atingidos pela falta de legislação específica sobre a regulamentação da relação de trabalho entre as plataformas e os profissionais. Parceiro, prestador de serviço, Microempreendedor Individual (MEI) ou empregado? Essa é a dúvida que está deixando milhares de trabalhadores sem saber quais são os seus direitos trabalhistas e previdenciários. E se eles existem, na prática.
Aadvogada Lariane Pinto Del-Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, explica que não há consenso sobre este tipo de trabalhador, “pois não existe uma legislação especifica e eles se encontram em um limbo jurídico. Hoje, eles se encontram completamente desamparados de direitos trabalhistas, das normas de saúde e de segurança do trabalho. Até o momento, somente a Previdência Social, por meio de decreto, os enquadrou como microempreendedores individuais”.
Os trabalhadores que utilizam aplicativos para prestar serviços são vistos hoje como “parceiros” das empresas de tecnologia (como Uber, Rappi, Loggi). Na visão daadvogada Érica Coutinho, especialista em Direito do Trabalho do escritório Mauro Menezes & Advogados, esse tipo de trabalho faz parte de contexto amplo denominado “uberização”, no qual a principal característica é justamente o fim do vínculo empregatício e a transferência, para uma grande massa de trabalhadores e por meio de plataformas digitais, dos riscos e custos da operação empresarial.
“É importante frisar que, embora as empresas de tecnologia entendam que motoristas e entregadores não são empregados, esses trabalhadores estão submetidos a gerenciamento, vigilância e controle. A utilização das tecnologias inaugurou uma realidade no mundo do trabalho em que se usa um certo tipo de linguagem que confunde a própria classe trabalhadora. O trabalhador é visto como ‘parceiro’, como empresário de si. E a empresa desenvolvedora do aplicativo é vista como uma marca que reúne passageiros e motoristas em espaço virtual e não como empregadora que também se utiliza da força de trabalho para auferir lucros. Por sua vez, o consumidor que utiliza os aplicativos passa a ser responsável pela avaliação e pela fiscalização do trabalho a partir de atribuição de notas pelos serviços prestados”, explica a especialista.
Odoutor e mestre em Direito do Trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, entende que a grande questão é sobre a definição dessa nova modalidade de prestação de serviços.
“Ela poderá ser de emprego ou não. Se preenchidos os elementos da relação de emprego, poderá o prestador de serviços ser declarado empregado; do contrário, seria na verdade um autônomo. É importante chamar a atenção para o fato de que o STF declarou possível a terceirização da atividade fim das empresas, tendo em vista a ausência de restrição legal, pois a matéria era tratada por uma súmula do TST. Essa situação, em grande medida, acaba por afastar, em tese, a responsabilidade efetiva daquele que seria na hipótese em destaque o empregador ou parceiro da pessoa física que realiza a entrega. Contudo, a depender da contratação, ainda que não de emprego, o próprio contrato de parceria poderia, na forma da legislação civil implicar, em responsabilidade daquele que repassa o trabalho para o suposto autônomo”, analisa o acadêmico.
Direitos
Os especialistas afirmam que a falta de regulamentação é a principal responsável pela ausência atual de direitos trabalhistas e previdenciários destes profissionais.
Lariane Del-Vecchio ressalta que o reconhecimento dos direitos dos entregadores de aplicativos depende, atualmente, do Judiciário. “Na verdade, ainda não se sabe se são empregados, autônomos ou parceiros. Não existe legislação especifica, mas, no meu entendimento, caso comprovado subordinação, habitualidade, pessoalidade e salário estará configurado o vínculo trabalhista. E, com isso, passam a ter todo amparo da legislação trabalhista”.
Freitas Guimarães acrescenta que “como ainda não existe uma regulamentação própria sobre o tema, há decisões na Justiça em todas as direções, a depender muito da prova realizada em eventual discussão judicial. Vale salientar que em países europeus há ainda dúvida razoável sobre a modalidade contratual que seria compreendida como correta”.
A advogada Érica Coutinho frisa que o acesso aos direitos trabalhistas ocorre muitas vezes por meio do reconhecimento do vínculo de emprego. “Quando não existe vínculo de emprego, o trabalhador tende a ficar às margens da proteção social. Direitos previstos constitucionalmente, como férias, 13º salário, garantia de salário mínimo, depósito de FGTS, adicional de hora extra, adicional noturno, licença por motivo de saúde, repouso semanal remunerado e tantos outros não são garantidos aos trabalhadores de aplicativos, por exemplo”.
De acordo com Coutinho, parte considerável da jurisprudência trabalhista vem entendendo que, de fato, motoristas e entregadores não são empregados das empresas de aplicativos, uma vez que tais empresas atuariam como mera plataforma digital cujo objetivo é conectar motoristas e consumidores. Para essa parte da jurisprudência trabalhista, o elemento da subordinação – necessário para caracterização do vínculo de emprego – não estaria presente.
“Há, por outro lado, decisões emblemáticas que reconhecem o vínculo de emprego entre motoristas e as empresas. As empresas de transporte e de entrega possuem documentos denominados “termos de uso”, “política de privacidade” e “código de conduta” nos quais constam informações capazes de caracterizar ingerência profunda no trabalho de motoristas e entregadores. A forma como motoristas dirigem é controlada via GPS ou outros meios telemáticos: velocidade, tempo de deslocamento, freadas e acelerações. Além disso, as empresas – e não os motoristas – definem o preço pelo serviço prestado. Há, ainda, indicações de penalidades, bloqueios e suspensões de forma unilateral por parte da empresa. Enfim, todos esses aspectos indicam que estamos diante de roupagem tecnológica e ‘modernizada’ para o que já se conhece há muito como vínculo de emprego”, alerta a advogada.
Os trabalhadores que atuam como entregadores são, em grande maioria, motociclistas. Mas existem também aqueles que trabalham em automóveis, bicicletas e patinetes. E todos estão expostos a acidentes durante o trajeto da entrega. O que, segundo os especialistas, em uma relação normal de trabalho é reconhecido como acidente de trabalho.
O trabalhador que sofre um acidente de trabalho conta com benefícios que serão concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente ou até mesmo a pensão por morte em caso de falecimento.
A advogada Lariane Del-Vecchio destaca que, em caso de acidente de trabalho, “se o empregado não tiver o vínculo trabalhista reconhecido, para ter direito a afastamento pelo INSS, ele deve estar contribuindo como microempreendedor individual”.
Os especialistas orientam os entregadores a contribuírem mensalmente para o INSS como microempreendedor individual (MEI), categoria que abrange os profissionais com faturamento anual de até R$ 81 mil. Neste caso, a alíquota mensal de recolhimento à Previdência Social é de 5% sobre o salário mínimo nacional (hoje, esse valor é de R$ 49,90)
Nessa categoria, os profissionais poderão ter acesso à aposentadoria por idade ou invalidez, na faixa de um salário-mínimo. Na aposentadoria por idade, é preciso um mínimo de 180 meses de contribuição. Já no caso da aposentadoria por invalidez, 12 meses. Há, ainda, outros benefícios, como auxílio-doença e salário-maternidade, para os quais são exigidos carência de 12 e 10 meses de contribuições prévias, respectivamente.
Oestudante de Engenharia de Gestão da Universidade Federal do ABC Vladimir Daniel, 24 anos, que trabalhou como entregador de um aplicativo de delivery por um período de quatro meses em 2018 e depois de janeiro a junho desse ano, conta que não encarava a ocupação como um trabalho justamente pela falta de seguridade.
Ele tinha contato com propagandas do aplicativo para trabalhar como entregador e se interessou pela oportunidade em uma época em que procurava estágio e como uma forma ainda de realizar atividades físicas. “É algo como se fosse um ‘bico’, porque você não tem uma seguridade, um salário mínimo garantido. É interessante aquela proposta bonita de fazer o seu horário, ser o seu próprio chefe, mas não tem nenhuma seguridade”, opina.
Daniel relata que não havia medidas de segurança voltada para os entregadores por parte da empresa, com exceção do fato de o aplicativo priorizar áreas que são de melhor acesso para bicicletas, meio de transporte utilizado pelo estudante.
Ações públicas
Ainda de acordo com a especialista em Direito do Trabalho Lariane Del-Vecchio, o Ministério Público do Trabalho de São Paulo ajuizou duas ações civis públicas contra as empresas de aplicativo, já que entendem que elas atuam na ilegalidade quanto a omissão do vínculo. “O processo está em andamento e não foi julgado, tendo audiência agendada para o mês de agosto de 2019”.
Em agosto de 2018, o MPT-SP propôs uma ação civil contra a Loggi no valor de R$ 200 milhões, 0,5% do faturamento da empresa. Para os promotores, ficou comprovado que “os condutores profissionais são marionetes de um aplicativo” e que o desequilíbrio no mercado promove “dumping social” sobre as empresas tradicionais, conforme a Lei Federal 12.529/11, que estrutura a concorrência.
Já em fevereiro de 2019, o MPT entrou com uma ação contra o iFood pelo mesmo motivo: burlar a relação de emprego. Os promotores pedem o reconhecimento do vínculo e uma indenização por dano moral coletivo de no mínimo R$ 24 milhões, 5% do faturamento bruto da empresa, pois o aplicativo não é o fim, mas “um meio para a operacionalização de sua atividade principal, seu verdadeiro objetivo empresarial”.

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